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Foto do escritorConsolacao Resende

Saudade


Até a última semana, a saudade era uma sombra sem rosto, uma amiga anônima que por vezes vinha nos visitar. Mas tudo mudou no dia 05 de julho de 2020. Saudade agora tem cheiro. Tem aroma de biscoito de queijo saindo quentinho do forno. De erva cidreira fervendo no fogão. De lombo assado, de bife frito com cebola nas tardes de todo domingo. Saudade agora tem voz. Do telefone que não mais toca, da buzina que não mais se ouve, da acordeon que agora está fechada em uma caixa. Dos hinos que não mais serão cantados, dos assobios que não mais serão ouvidos, dos casos que não mais serão contados, e da conversa intermitente que agora é só silêncio Saudade tem gosto. De cocada, de broa de fubá, de rosca caseira, de pururuca. Do tempero que ninguém conseguirá repetir, das receitas que ninguém teve tempo de aprender. Da pilha de vasilhas sujas que agora é pia limpa. Saudade tem raiz. Como as mudas de hortelã plantadas, como os coqueirinhos todo dia regados, como a hera a podar no muro de uma casinha no Filadélfia. Como as flores que agora não têm mais companhia em todas as manhãs de sol. Saudade tinha histórias, muitas delas. Saudade era divertida e alegre. Gostava de ser o centro das atenções, de fazer todos rirem quando terminava seus casos e causos. Saudade se preocupava com a família. Com a saúde dos filhos e agregados, com o futuro dos netos. Saudade gostava de saber que estava todo mundo bem, e queria ver todo mundo feliz. Saudade era a mulher mais bonita de Betim. Saudade passeava pelos açougues, supermercados, farmácias e pelo centro da cidade. Saudade cantava no coral, ia à igreja aos domingos. Saudade agora tem nome: Augusta Gomes Ferreira. E passou a viver para sempre conosco. Dona Augusta agora nos deixou e decidiu que era hora de matar suas próprias saudades. A manhã do dia em que partiu nasceu com o frio do inverno, mas com o sol brilhando forte no céu. Embora chorássemos, sabíamos que, naquele mesmo momento, uma festa era dada na eternidade, com músicas, quitutes e risos. Com o Pai a recebendo de braços abertos. Com o reencontro entre ela e Zé Gomes, que certamente foi encontrá-la, dizendo: “Ô fia, eu tava com saudade demais docê!”. E quanto a nós, família Gomes, nada mais que um desejo enorme de honrar sua história. De fazer perdurar no mundo a alegria, a fé e o legado que agora herdamos. E imensa gratidão a Deus pelo privilégio de termos convivido com ela. De nossa parte, agora um único sentimento: saudade. Muita saudade!

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