A pandemia de Covid-19 não está gerando só danos físicos, mas também prejuízos na saúde mental por conta da quarentena.
Por determinação de governadores, a população está sendo mantida em regime domiciliar para que o vírus não se espalhe ainda mais. O fato de estar em casa em tempo integral pode mexer e muito com o nosso psicológico.
O Sua Saúde conversou com o médico psiquiatra Dr. Lucas Campos Farnese, que orienta como trabalhar a nossa mente da melhor forma possível diante desta pandemia.Dr. Lucas é membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e atende nas clínicas Monte Sião e Inteiramente (Betim).
SUA SAÚDE – É possível manter a saúde mental em meio ao caos que se instalou com o Coronavírus?
Dr. Lucas – Não só é possível como é necessário, mas para isso precisamos entender contra o que estamos lidando. Nosso primeiro vilão neste momento é nossa própria mente. A ansiedade tem dois sintomas que são os seus principais: medo e preocupação. E é exatamente o que estamos vivendo neste momento, com relação à economia, à nossas vidas, nossa saúde, se teremos vaga nos hospitais se precisarmos, se nossos conhecidos e familiares que são do grupo de risco ficarão bem.
Estamos lidando também com as outras pessoas, que a todo instante falam deste assunto da forma que entendem, com seus medos e preocupações permeando as suas falas, trazendo uma visão pessimista acerca do presente e do futuro.
Estamos lidando com as “Fake News” que invadem nossas casas a todo instante através dos e-mails e dos smartphones. Também lidamos com as notícias dos canais que, diferentemente do Jornal Sua Saúde, não estão preocupados em trazer bem-estar às pessoas, veiculando informações que nos transmitem a sensação de caos, de medo, insegurança, incerteza. Tudo isso gera uma sensação de imprevisibilidade, de não sabermos como será o nosso amanhã, se estaremos bem, se teremos emprego ou dinheiro para o nosso sustento e o ser humano é pessimamente preparado para lidar com a imprevisibilidade.
Depois deste entendimento, passamos a lidar com cada uma das situações, como parar de dar tanta atenção aos nossos pensamentos e ocuparmos nosso dia com atividades produtivas, evitar conversas sobre o tema Coronavírus, parar de acreditar em tudo que chega ao nosso conhecimento e ligar a televisão para assistir programas ou filmes que acrescentem coisas boas em nossas vidas. Estas são algumas atitudes que certamente contribuirão para a manutenção da saúde mental das pessoas.
SUA SAÚDE – O que as pessoas podem fazer para se manterem equilibradas diante deste cenário de isolamento social?
Dr. Lucas – Este é um momento em que as pessoas estão se desorganizando muito, seja pelo medo e preocupação que estão vivendo, seja pela alteração brusca na rotina e nas tarefas diárias. Sem uma rotina adequada, a vida fica mais imprevisível do que ela é e o dia passa sem que tenhamos a sensação de que fizemos algo que valeu a pena. Então temos que cuidar da rotina, ter uma rotina saudável. Começamos uma rotina pelo horário de sono. Definir quantas horas de sono se quer, que horas acordar e que horas dormir. Definir o horário das alimentações e o que comer, para não ficar beliscando sempre que não se tem o que fazer.
As pessoas também devem evitar ficar vivendo o personagem do doente, que é aquele que fica o dia inteiro de pijama ou mal vestido, cabelo desarrumado, deitado. Portanto devem vestir uma roupa minimamente adequada, se cuidar, pentear o cabelo, escovar os dentes, fazer a barba, mesmo para ficar em casa, para terem uma sensação melhor consigo mesmos e com a atual situação. Ter horário para atividades físicas, para leitura, ou ver um vídeo ou filme. Quanto mais organizada a rotina, mais as atividades vão se encaixando coerentemente e não sofreremos com aquela sensação horrível de que a vida apenas está passando e estamos trancados em casa, inúteis, esperando o dia em que poderemos sair.
SUA SAÚDE – Muitas pessoas estão tomando, por conta própria, medicamentos para relaxar, como soníferos e calmantes. Em virtude do momento é o correto a se fazer?
Dr. Lucas – Automedicação não é uma opção nem para o atual momento nem para momento algum. Quando lidamos com apenas uma parte dos sintomas, corremos o risco de mascararmos ainda mais o que realmente está acontecendo conosco e ao invés de tratarmos adequadamente, continuaremos tendo nossas vidas prejudicadas em diversas áreas. Medicamentos para ansiedade e sedativos têm indicação e devem ser utilizados em alguns momentos, mas sempre prescritos por profissional capacitado, que vai avaliar não somente aquele sintoma, como insônia ou a ansiedade, mas todo o contexto em que a pessoa está inserida, quando começaram os sintomas, se existem outros que a pessoa não esteja percebendo, para que possa formular o diagnóstico e tratamento correto. Um tratamento sério e eficaz nunca é baseado apenas na prescrição de medicamentos.
SUA SAÚDE – Este momento pode acarretar traumas psicológicos futuros pós-pandemia?
Dr. Lucas – Pode e esta é uma das grandes importâncias de se procurar um atendimento especializado a tempo. Uma pessoa que fica sofrendo em casa vai ter reforçado seus medos, sua ansiedade, sua preocupação, saindo desta crise pior do que antes, com uma sensação de insegurança e incerteza que só vai lhe fazer sofrer e paralisar diante da vida. Imagina alguém vivendo o resto da vida com medo de que possa surgir um novo vírus ainda mais terrível, ainda mais mortal, que vá exterminar a humanidade? É uma forma de viver inaceitável para quem quer que seja.
SUA SAÚDE – Quem assiste o noticiário, principalmente, o televisivo pensa que estamos vivendo o apocalipse, pois há uma instauração do terror. O que senhor aconselha em relação à TV?
Dr. Lucas – As pessoas precisam entender sobre os noticiários em geral que não há uma preocupação em mantê-las informadas adequadamente, mas sim em veicular as informações de forma que possam mantê-las assistindo as notícias ou comprando os jornais. O que mais vende e o que mais mantém a atenção das pessoas presas são as notícias trágicas, então no caso da atual pandemia, os noticiários sempre tentam focar em quantas pessoas morreram, como o número de infectados aumenta a cada dia, quantas pessoas estão em estado grave. Uma pessoa que já é ansiosa, que já tende a ser preocupada, certamente ficará mais ansiosa ao ver tais notícias. Então, não recomendo que fiquem assistindo, que fiquem acompanhando tais noticiários, que não tentem se informar através deles. Como sempre falo para as pessoas, as notícias geralmente só informam uma parte da verdade e uma parte da verdade não é a verdade, da mesma forma que uma parte de um ser humano, como uma perna, não é um ser humano.
SUA SAÚDE – Como controlar a ansiedade e o estresse? O que fazer quando a pessoa perceber que está totalmente descontrolada?
Dr. Lucas – Totalmente descontrolada, a pessoa precisará, na grande maioria das vezes, de uma ajuda especializada. Muitos sofrem silenciosamente em suas casas, ocultando os sintomas da forma que conseguem e, nos momentos de maior estresse, estes sintomas vêm à tona e as pessoas colocam a culpa no evento que esteja causando tal estresse, como a morte de alguém, a perda de um emprego, um divórcio ou, como estamos vivendo atualmente, a pandemia. Ficar em casa sofrendo, achando que vai passar sozinho não é uma boa ideia. Pode até passar, mas pode piorar enormemente.
Ansiedade e depressão podem ser muito incapacitantes e não se deve adotar uma posição de ficar esperando e esperando para ver o que acontece. Mas até que consiga procurar ajuda, em um cenário de grande estresse em casa, a pessoa tem que tentar se acalmar. Parar, entender o que está sentindo, entender que o corpo pode reagir de várias formas “esquisitas”, como dor no peito, falta de ar, dormência e formigamento, tonteira, boca seca, vontade de urinar a todo instante, coração disparado e vários outros sintomas, é fundamental para que a pessoa consiga ficar mais tranquila e não pense que está morrendo, enfartando ou tendo um AVC. Técnicas de relaxamento, como a respiração abdominal, que é respirar fundo expandindo mais o abdome do que o tórax também ajudam bastante. E o principal: não sofrer por estar sofrendo. Não se sentir mal por estar ansioso, ou triste, ou estressado. São sintomas que, se abordados corretamente, melhoram a vida segue normalmente.
SUA SAÚDE – O senhor teria alguma mensagem ou recomendação final?
Dr. Lucas – Estamos em um cenário pelo qual nunca havíamos passado antes, mas, como em todas as circunstâncias da vida, precisamos nos unir e dar o nosso melhor. É uma oportunidade para que possamos rever algumas de nossas condutas, de nossos conceitos e aproveitarmos para sairmos melhores e mais fortes do que estávamos. E isso é possível sim, mas depende da nossa capacidade de usarmos nossa inteligência a nosso favor e não contra nós. Precisamos tentar compreender mais as pessoas, entender que elas também estão ansiosas, tensas, com dificuldade para lidar com tudo o que está acontecendo, e não ficarmos querendo apenas sermos compreendidos.
Precisamos amadurecer nossos relacionamentos, pois a atual situação está expondo diariamente nossa incapacidade de nos relacionarmos, com o número de brigas e discussões domésticas aumentando enormemente. Precisamos exercitar nossa força, nossa coragem e nossa confiança, fundamentais para nosso bem-estar. Enfim, ao invés de focarmos nos aspectos negativos, devemos focar no que podemos tirar de bom, no que podemos aproveitar para ficar ainda melhores do que éramos antes. Assim se vive uma vida bem vivida.
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