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Foto do escritorConsolacao Resende

Da harmonia conjugal*

Nicolau, pela idade – cerca de 10 anos –, era um menino esperto, forte, perspicaz e, acima de tudo, muito inteligente. Diziam que captava todos os acontecimentos no ar. Por outro lado, era, segundo seus avós, muito arteiro. Aprontava constantemente suas travessuras e, por causa disso, pelo menos uma vez por mês levava uma surra de correiada, dada pelo seu pai. Mas não emendava: segundo seu avô, as surras eram merecidas e disciplinadoras.

Em uma bela tarde de muito calor, estava o garoto indo para o Encontro, junção das águas, límpidas e cristalinas em tempos de antanho, do Rio Betim com o Riacho das Areias, a fim de nadar e refrescar-se. O local era meio deserto, no meio do campo, e somente uma casa muito simples, mas acolhedora, era vista no local. Seu avô, Zé Néris, era uma das pessoas mais ricas e influentes da Cidade, de tradicional família. Trabalhador ao extremo, não tinha vícios e era muito dedicado à família. Contudo, tinha outra dedicação que era cultivada com esmero: adorava um “rabo de saia”.

Naquela época, ter uma amante, como se dizia, custava muito caro, pois as mulheres não trabalhavam fora do lar e não tinham fonte de renda alternativa. Era necessário alojá-la em uma casa e mantê-la, dando-lhe, inclusive, alimentação. Também o sigilo e a discrição eram fundamentais, numa era conservadora em que tudo se tolerava e era incentivado, mas “por baixo do pano.” Ao caminho do Encontro, Nicolau viu que seu avô caminhava bem mais à sua frente, com um saco de mantimentos nas costas. Perto da citada casa, onde, por coincidência, morava uma de suas amantes, ele olhou para um lado e para o outro, não notou ninguém e colocou o saco de mantimentos à beira do caminho, atrás de uma moita, e foi embora. Nicolau sabia das tramoias do seu avô, e sua avó já estava meio desconfiada das atitudes do marido. Quando ele chegou em casa, ela perguntou, raivosa, por que havia deixado os mantimentos à beira do caminho. Zé Néris ficou apertado e deu uma resposta esfarrapada:

– Estava com muita dor na coluna e fiquei de pegar o saco mais tarde...

Ela, em nome da harmonia conjugal, aceitou a desculpa. Mas Zé Néris ficou uma fera. Quando encontrou Nicolau de novo no campo, começou a desabotoar o cinto para dar-lhe uma surra de correia. Muito esperto, o menino disse, sem pestanejar:

– Se o senhor me bater, eu conto pra minha avó!

Zé Néris, espumando de raiva, ainda replicou:

– Contar o quê, seu moleque?

Nicolau, com um sorriso maroto no meio dos lábios, retrucou:

– Eu conto pra quem era o saco de mantimentos!

E Zé Néris, matutando sobre o caso, abotoou de novo o cinto, em nome da harmonia conjugal.

E Nicolau escapou de mais uma surra de correia...


*Do futuro livro Só

mesmo em Betim III... e outras acontecências.

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